GASTRONOMIA
Sandro Moser ensina que não adianta esperar a vista do Marajá de Jaipur; o melhor que fazemos é tomar bons vinhos com aqueles que amamos
Por mais raro que seja ou mais antigo,
Só um vinho é deveras excelente,
Aquele que tu bebes, docemente,
Com teu mais velho e silencioso amigo”.
(Mário Quintana)
A hora de abrir “aquela garrafa” de um vinho extraordinário é um dilema que a certa altura se impõe aos que caíram de amor pela bebida. Qual a ocasião é especial o bastante para se beber um vinho bom demais para um dia qualquer?
Deixar uma garrafa dessas envelhecer é ato de coragem e esperança cuja recompensa é a chance de apreciar a melhor versão de um vinho no tempo e circunstâncias perfeitas, quase como o budismo quer que façamos com nós mesmos. Pois cada uma delas costuma ter vida e história próprias.
quase como o budismo quer que façamos com nós mesmos. Pois cada uma delas costuma ter vida e história próprias.
Há as que vieram de longe e se salvaram de guerras e terremotos. As arrematadas em leilões de caridade ou compradas em impulso insone. As que nos vêm à mão por herança ou como um presente tão especial quanto deva ser o momento de abri-lo.
Mesmo assim, é imoderado fazer de uma simples garrafa um troféu à espera de eventos improváveis como a visita do Marajá de Jaipur ou do título mundial de nosso time para só então desarrolhar-lhe o gargalo. Pois, tal qual os homens, os vinhos nem sempre evoluem com os anos.
Neste que acaba, tive a sorte de conhecer muitas pessoas que fazem o vinho chegar fresco às nossas mesas e cada uma contou uma história sobre este momento fatal. A mais bonita, escutei do amigo Flávio Bin, sommelier pioneiro do vinho local, que por décadas trabalhou na Importadora Porto a Porto.
2010. Quando eles ainda estavam bem e, no caso do meu pai, lúcidos para entender o momento”.
Flávio não se lembra de todos os rótulos, mas sabe que foram à mesa safras antigas de vinhos italianos como Brunello di Montalcino, Barolo e Amarone. Boas garrafas de vinhos franceses como o Château Margaux 1996 ou a safra especial de um Sauternes Doisy Daene, vinho de sobremesa que impressionou sua mãe.
Vinhos do Porto foram incontáveis na varanda da casa, alguns deles com mais de 50 anos. Num fim de tarde inesquecível, pai e filho tomaram uma garrafa de Madeira 1933, ano anterior ao do nascimento de Edmar. No mesmo fim de semana, beberam um Rioja Reserva 1964, ano de nascimento de Flávio, que tinha sido um presente de um amigo especial.
Sempre que possível, o filho preparava o prato favorito dos pais, Bacalhau com Batatas ao Murro, contava a história de cada um dos vinhos servidos, o auge da carreira do sommelier nº 1 de Curitiba. “Eles ficavam encantados com cada garrafa”, disse. “Sempre me perguntavam: ‘Tem certeza que vai mesmo abrir estas garrafas com os noninhos? É a única certeza que tenho”, disse.
Edmar faleceu em 2012 e Aniêsi em 2016.
Como na ópera, nesta hora me escorreu uma “lágrima engasgada”. Antes de partir, perguntei a Flávio se a questão toda, portanto, não se trata de achar a ocasião especial, mas de saber com quem compartilhar o momento ao que ele me respondeu:
“Cada um sabe de si. Sou feliz pela decisão que tomei. Para mim, a felicidade são os pequenos momentos felizes dos quais, às vezes, só nos damos conta quando eles já passaram muitos anos depois.
FELIZ 2024!