MST ganha espaço na transição e pode conquistar avanços na reforma agrária

 Com a possível criação do Ministério da Agricultura Familiar e Alimento Saudável, o movimento conquista cada vez mais espaço nas pautas desenvolvidas pela equipe de articulação da futura gestão e aposta em avanços na reforma agrária


(crédito: Reprodução/Redes Sociais)

A proximidade histórica do Partido dos Trabalhadores (PT) e do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva com os ideais defendidos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é reafirmada e ganha espaço dentro da equipe de transição do novo governo. Na última quarta-feira (30/11), o deputado Pedro Uczai (PT-SC), coordenador da área de desenvolvimento agrário e cotado como futuro ministro da Agricultura Familiar e Alimento Saudável, disse que há espaço para a atuação do MST dentro do governo e que o movimento “vai ajudar a resolver o problema da fome no país”.

Em agosto deste ano, antes do início das campanhas eleitorais, o principal líder do movimento, João Pedro Stedile, afirmou, em entrevista para um podcast, que, se Lula fosse eleito, haveria um retorno das “mobilizações de massa” pelo país. Durante a campanha, o MST atuou de forma ativa pela vitória do candidato petista em seus assentamentos. Segundo Stedile, cerca de 7 mil “comitês populares de luta” foram criados para endossar o apoio à candidatura do agora presidente eleito.

Após a vitória da chapa Lula Alckmin, o MST reuniu seus principais líderes e elaborou um documento intitulado Carta ao Povo Brasileiro, publicado na última terça-feira (29/11). Na carta, o movimento enaltece a eleição do ex-presidente e reúne algumas sugestões para o novo governo, como o combate ao desmatamento florestal, a criação de programas de educação e cultura no campo e o estímulo à agroecologia.

No documento também são tecidas duras críticas ao agronegócio e ao uso de agrotóxicos no campo. “Defendemos sempre que o latifúndio é antissocial e deve ser banido e o agronegócio precisa assumir sua responsabilidade socioambiental, adequar-se às necessidades da sociedade, pagar impostos, parar de usar agrotóxicos e dar condições de dignidade aos seus trabalhadores”, sustenta o movimento.

Outra pauta defendida é a valorização da agricultura familiar, com a criação de um ministério voltado especificamente para o tema. A proposição está muito perto de se tornar realidade, visto que, no esboço da Esplanada de Lula, a atual pasta da Agricultura se dividirá em três: Agricultura, Agricultura Familiar e Alimento Saudável e Pesca. Um dos cotados para assumir a cadeira é o deputado federal Pedro Uczai (PT-SC), que mantém boas relações com o MST.

Um dos representantes do grupo na Câmara, deputado João Daniel (PT-SE), afirma que, além dos temas já mencionados, o Ministério da Agricultura Familiar atuará na proteção das comunidades quilombolas e na defesa da reforma agrária. “Nós temos uma grande esperança e a certeza de que o presidente Lula recriará este ministério, que ajudará a reconstruir a política nacional para a agricultura familiar e para a reforma agrária”, destaca.

No entanto, o próximo ministro terá como entrave a escassez de recursos. A previsão de verba orçamentária definida na Lei de Orçamento Anual (LOA) de 2023 para o atual Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), sofreu um corte de mais de R$ 2 bilhões, passando de R$ 15,52, inicialmente projetados, para R$ 13,33 bilhões. Logo, o próximo ministro deverá direcionar com mais cautela os investimentos na área.

Pouco espaço no Congresso

Embora a previsão de um diálogo mais estreito com o governo federal, as pautas defendidas pelo MST devem enfrentar resistência por parte dos ruralistas eleitos em outubro e que, em sua maioria, apoiaram o presidente Jair Bolsonaro (PL). Um dos temas mais abordados durante a campanha foi a diminuição exponencial de invasões de terra durante o governo do atual chefe do Executivo.

Conforme dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e da Ouvidoria Agrária Nacional, 2.991 invasões a propriedades rurais foram registradas durante os governos Lula, Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (MDB) — de 2003 a 2018 —, enquanto 14 ocupações foram notificadas nos três primeiros anos de Bolsonaro no poder.

A coordenadora de Agronegócio da BMJ Consultores Associados, Karina Tiezzi, prevê mais dificuldades no terceiro governo de Lula para firmar acordos com o setor. “O presidente eleito tentou dissociar o MST do radicalismo do passado, mas será preciso uma grande capacidade de articulação e de diálogo para trazer a segurança necessária ao setor produtivo”, avalia.

Para o sócio-diretor da MB Agro, José Carlos Hausknecht, ainda há incertezas na equipe de transição sobre como o presidente eleito lidará com o MST e como serão as articulações junto ao agronegócio. “Ainda é preciso ver como o Lula vai se comportar em termos políticos. Se ele fará um governo de coalizão, se aproximando do setor agrícola. Com isso, a situação poderia ficar um pouco mais controlada”, comenta.

Na nova composição da Câmara dos Deputados, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) espera contar com cerca de 250 deputados, o que representa quase 60% da Casa. Mesmo com a presença forte da chamada bancada ruralista, o deputado João Daniel acredita que, com um novo presidente alinhado às pautas do MST, o movimento conseguirá aprovar medidas e estabelecer apoio dentro do Congresso.

“Tenho certeza que no governo Lula, com a força da nossa bancada e dos movimentos do campo e da cidade, teremos uma conjuntura diferente, que abrirá um bom debate para avançarmos dentro do Congresso Nacional nas pautas importantes para o fortalecimento da reforma agrária no Brasil”, finaliza. (RP*)

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