Primeiros dias do governo Lula provocam desconforto entre investidores

Somente nas últimas horas Lula atacou a autonomia do Banco Central (BC), ao enxergar um descompasso entre a taxa básica de juros e a inflação


(crédito: Sandra Blaser/WEF)

Nessas primeiras semanas do novo governo, não houve a habitual “lua de mel” com o mercado — período no qual os investidores dão o benefício da dúvida ao novo presidente, quando esperam sinalizações mais concretas sobre os rumos da economia. Mas o que se viu foi o próprio Luiz Inácio Lula da Silva mandando insistentes e agressivos recados de que sua prioridade não será o fiscal, mas o social. Os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e da Casa Civil, Rui Costa, têm se esforçado para amenizar as críticas presidenciais, mas o efeito disso mostra-se limitado.

Somente nas últimas horas Lula atacou a autonomia do Banco Central (BC), ao enxergar um descompasso entre a taxa básica de juros e a inflação. Além disso, em cerimônias públicas tem enfatizado que não entende a razão pela qual o “mercado” classifica como “gasto” os investimentos do governo na área social. Os agentes econômicos torceram o nariz para as avaliações do presidente.

Em entrevista ao Correio, o ex-ministro da Fazenda do governo Sarney, Mailson da Nóbrega, afirmou que Lula frustrou as expectativas de economistas que esperavam que o terceiro mandato fosse uma repetição do primeiro. “Pelas declarações mais recentes, Lula se aproxima do período da Dilma (Rousseff), com visões intervencionistas muito fortes e com uma percepção equivocada do papel das estatais no cenário econômico brasileiro. Como se o Brasil voltasse aos anos 1970, 1980, ou mesmo ao período da era da derrama de dinheiro do Tesouro do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)”, lamentou.

Analistas reconhecem que as expectativas e cobranças ao novo governo, neste começo, têm sido mais intensas do que em gestões anteriores. “A situação é bastante diferente e delicada. Enquanto no primeiro mandato do Lula a gente teve uma herança do FHC (Fernando Henrique Cardoso), que foi superavit e mudanças que estavam ajudando a economia avançar, agora a gente vê que a herança é totalmente diferente. Nossa situação fiscal é mais delicada e, por isso, o mercado tem sido muito mais sensível”, avaliou o analista da Ouro Preto Investimentos, Bruno Kamura.

Pelo menos quatro planos do governo estão na mira dos investidores desde a eleição. O reajuste do salário mínimo para R$ 1.320, a ampliação do Bolsa Família para R$ 600, a eliminação do teto de gastos como âncora fiscal do país e a ampliação da isenção do Imposto de Renda para contribuintes com salários até R$ 5 mil.

“São muitas falas em linha do aumento dos gastos, sem falar em aumentar receitas com arrecadação. Se esses programas sociais não forem realocados, é muito provável que tenhamos um aumento da dívida. Tudo isso acaba fazendo com que haja uma desconfiança maior”, avaliou Kamura.

Fiscal adormecido

Os agentes seguem na expectativa da apresentação do novo arcabouço fiscal, que foi prometido por Haddad até abril. Para a economista-chefe da Reag Investimentos, Simone Pasianotto, os primeiros 20 dias de governo deixaram o debate sobre o fiscal adormecido.

“Essa postura de declarações polêmicas e intervencionistas sobre temas sensíveis não é favorável. Passado o turbilhão das invasões em Brasília, o que se espera é que Lula comece a tocar a cozinha na área econômica para ver no que vai dar”, cobrou.

Para Davi Lelis, economista e sócio da Valor Investimentos, Lula mostrou não estar preocupado com o pragmatismo dos mandatos anteriores, o que fará a marcação continuar cerrada. “É importante separarmos o que é falado como estratégia para agradar a própria ala do plano estrutural de governo. No geral, tem se passado um discurso de responsabilidade fiscal, mas é preciso haver um alinhamento entre o que se fala e o que se faz, para que não se perca confiança no governo”, alertou.

 

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