Carnaval: após nove anos, desfiles de escolas de samba voltam à capital

 Brasília terá apresentações em sambódromo para abrir celebrações de seu aniversário, em 21 de abril. Carnaval de rua também retorna após hiato de dois anos. Agremiações e blocos já estão em ritmo de festa


crédito: Mariana Lins )

“Kaô meu pai Xangô!/Laroyê o mensageiro anunciou/Arcanjo, em sua missão, luta contra a opressão/Na roda de capoeira mostra seu valor/Pelas ladeiras de São Salvador/Seu conhecimento e sabedoria/A igualdade que o povo queria…” Esse foi um trecho do samba-enredo Asa Norte traz da Bahia a Tenda dos Milagres, baseado em obra clássica de Jorge Amado, feito pela escola de samba Acadêmicos da Asa Norte, campeã do grupo especial do carnaval de 2014, último ano em que ocorreu o desfile em Brasília. O clima de nostalgia pelo colorido na avenida promete ressurgir na capital do país com a promessa do secretário de Cultura e Economia Criativa (Secec), Bartolomeu Rodrigues, de realizar a festividade em 20 e 21 de abril (aniversário de Brasília), no Eixo Cultural Ibero-Americano. Os blocos de rua também vão voltar, no período carnavalesco oficial, depois de dois anos sem apresentações devido a restrições impostas pela pandemia de covid-19.

Com nove títulos do grupo especial de carnaval de Brasília, a Acadêmicos da Asa Norte está com clima de esperança para 2023, com a chance de conquistar o quarto troféu seguido. Diretora de carnaval da escola de samba, Jodette Amorim apoiou a escolha do sambódromo na antiga Funarte pela boa localização. “Achamos importante que seja no centro de Brasília para atrair turistas, além de ser fácil para as pessoas que moram na cidade irem de metrô e ônibus”, comenta a carnavalesca.

Enquanto a animação toma conta do galpão da escola, usado para ensaios de passistas, mestre-sala e porta-bandeira, Jodette adianta que definiu o tema deste ano: Mulheres Pretas do Brasil. A agremiação fará a disputa do samba-enredo com quatro compositores com encontros em feijoadas até o começo de fevereiro. “Vamos ter dois meses para ensaiar. Vai ser corrido, mas promete ser bom para nós”, conclui a carnavalesca.

A rainha de bateria, Gilmara dos Santos Souza, 35, está na escola desde 2014, quando entrou na agremiação para trabalhar na coordenação da ala de passistas. Ela conta que a escola não parou de fazer ensaios e de se apresentar em eventos de carnaval. “Estamos muito felizes. Acredito que agora vai (dar certo)”, vibra.

Mestre-sala da Acadêmicos da Asa Norte desde fevereiro de 2022, Kaio Carvalho, 26, conta que era um admirador da escola, e agora se sente confiante para ir em busca do quarto título consecutivo. “Me sinto um brincante do samba. Depois de nove anos, estar no sambódromo vai ser muito importante”, declara. Kênia Cavalcanti, 21, também vai representar a escola pela primeira vez em um sambódromo. “A pressão psicológica de defender o pavilhão é maior do que o desafio físico”, confessa.

Hegemonia

Para reconquistar a hegemonia do carnaval de Brasília, a Associação Recreativa Cultural Unidos do Cruzeiro (Aruc) está com clima animado para ver a festa ressurgir das cinzas. Há cinco anos, a paulista Gabi Lima, que frequentava escolas de samba em São Paulo na juventude, entrou como passista e virou a nova rainha da agremiação brasiliense em 2021. “Estamos em busca do 32º título para iniciar a nova era de ouro do carnaval de Brasília, que tem muita simbologia por essa volta, ressurgindo como uma fênix”, compara. “A gente entende que é quase um começar do zero, porque vai completar nove anos sem a festa, com desmobilização de pessoas e reunir novamente as ferragens de carro alegórico”, opina o presidente da Aruc, Rafael Souza.

Com um enredo elaborado internamente, a maior campeã do carnaval brasiliense manteve em atividade as baterias, os cerca de 200 integrantes, porta-bandeiras, mestres-sala, mas as alegorias terão de ser reconstruídas. “O regulamento precisa ser dialogado com a Secretaria de Cultura. “Temos que saber como vai ser feito o pagamento desta contratação, mas concordamos que o desfile seja na antiga Funarte. Não seria um sambódromo, como tem no Rio, mas seria um local mais acessível ao público”, avalia Rafael Souza.

Secretário de Cultura e Economia Criativa do DF em exercício, Carlos Alberto Júnior adiantou ao Correio algumas novidades para as festividades deste ano, que contaram, ao longo de 2022, com a preparação por meio do projeto Escola do Carnaval. Uma delas é a capacidade do sambódromo para 50 mil espectadores nas arquibancadas em abril deste ano, no Eixo Cultural Ibero-americano. Um edital do Fundo de Apoio à Cultura (FAC) vai oferecer R$ 1 milhão para montagem da estrutura. Outro, de R$ 7 milhões — ainda a ser elaborado — será destinado para que as agremiações invistam nos enfeites e carros alegóricos.

O projeto da Escola de Carnaval foi criado pela Secec, em 2022, após uma série de atividades e escutas públicas que demonstraram a necessidade do setor carnavalesco do DF de se capacitar e atualizar para voltar à ativa, depois de oito carnavais sem desfiles. O projeto foi então iniciado em fevereiro do ano passado, dividido em módulos que englobaram toda a dinâmica produtiva do carnaval, envolvendo desde a gestão administrativa à parte artística visual e musical. Executada pela Associação Luta pela Vida, após lançamento de edital de chamamento público, encerrou em setembro, formando 14 escolas de samba e oito blocos carnavalescos. A subsecretária de Difusão e Diversidade Cultural da Secretaria de Cultura e Economia Criativa, Sol Montes, definiu como “o projeto mais importante para a retomada do carnaval tradicional nos desfiles das escolas de samba para 2023, na necessidade de reorganizar e rearticular toda a cadeia produtiva ligada ao carnaval das escolas de samba”.

Botando o bloco na rua

Os blocos de carnaval — classificados entre pequeno, médio e grande porte — vão receber investimento de R$ 5 milhões para saírem na rua. Segundo o secretário em exercício, na próxima semana, o GDF, o Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT) e os blocos de carnaval vão se reunir para definir a logística para começar a divulgação das festas. “Estamos com a expectativa alta. Para os próximos anos, o objetivo é errar menos, pensar sempre alto e alavancar todo esse mercado de economia criativa”, declara Carlos.

O retorno do carnaval de rua foi recebido com festa pelos organizadores. Segundo o presidente da Liga dos Blocos Tradicionais de Brasília, Paulo Henrique, a preparação vai além do edital do FAC. Ele conta que o esquema de segurança está acordado junto à Secretaria de Segurança Pública (SSP), assim como a parceria com 3,5 mil vendedores ambulantes de bebidas e comidas durante a festa. Paulo estima público recorde de 1,4 milhão de foliões na capital do país durante os quatro dias de diversão. Em 2019, última edição, 800 mil pessoas curtiram a festa. “Estamos preparados para fazer o melhor carnaval que Brasília já viu, com os blocos tradicionais e independentes”, destaca. Entretanto, três blocos — Galinho de Brasília, Ase Dudu e Menino de Ceilândia — aguardam edital da Secretaria de Cultura para garantir presença na edição deste ano. “Esses blocos não participaram do edital, pois a linha de apoio destinada a eles não seria suficiente para colocar o bloco na rua”, conclui Paulo Henrique.

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